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terça-feira, 30 abril 2024

Uso de agrotóxicos no Brasil, pesquisadora da USP revela dados alarmantes

O uso indiscriminado de agrotóxicos no Brasil provoca enormes prejuízos para o equilíbrio do meio ambiente, profundos agravos à biodiversidade e sérios riscos para a saúde humana. É o que apontam diversos estudos e dados do Ministério da Saúde, FioCRUZ e diversos órgãos ambientais.

Pesquisas realizadas pela Geógrafa Larissa Mies Bombardi, Coordenadora do Laboratório de Geografia Agrária da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, mostram que o atual quadro envolvendo o uso de agrotóxicos no Brasil tem muito a ver com o modelo fundiário adotado pelo país nos últimos anos e a sua opção comercial na economia globalizada.

Segundo a pesquisadora, o Brasil tem uma estrutura fundiária que é extremamente concentrada no agronegócio envolvendo grandes extensões de monoculturas intensivas, atendendo a um modelo de economia baseada atualmente numa maior exportação de commodities representadas mais por produtos básicos do que de produtos industrializados.

Esse modelo coloca o país como um grande fornecedor de produtos como soja, açúcar, carne, gado, carne de frango, fumo, laranja, café e outros produtos agrícolas cultivados em larga escala além do petróleo, do minério de ferro e outros produtos básicos provenientes da exploração de recursos naturais não renováveis.

A prática da agricultura com o cultivo de poucas culturas em grandes extensões, afeta enormemente a dinâmica ecológica dos ambientes naturais, com o aumento do desmatamento de forma devastadora, a fragmentação de habitats, a descontinuidade dos corredores de biodiversidade, o empobrecimento dos solos, a interferência nos ciclos hidrológicos com prejuízo para a recarga dos aquíferos, entre outros impactos extremamente severos.

Fora a exploração massiva dos aquíferos e mananciais para irrigação em grandes proporções o que sempre pode impactar negativamente os depósitos desse recurso natural tão importante para a vida, com consequências que podem ser catastróficas.

A homogeneidade das grandes monoculturas favorecem a proliferação e o ataque de determinados insetos a essas plantações, por diminuição da resistência ambiental natural que os controla e a promoção e a intensificação do seu potencial biótico que são o conjunto de condições que favorecem o seu crescimento populacional de forma exponencial.

O resultado é a utilização massiva de agrotóxicos para combatê-los, o que seria bastante minimizado com uma prática agrícola consorciada, com uma variedade de produtos produzidos, em interação com extensas áreas de vegetação natural preservada, favorecendo a existência mais harmoniosa de uma grande variedade de espécies de organismos que tornariam mais ajustados os processos naturais de controle biológico.

Controle biológico, joaninha predando pulgões. Foto: pixabay.com

Um quinto dos agrotóxicos utilizados no mundo é consumido nas lavouras do Brasil, em função do modelo econômico ditado pela pauta de exportações baseada na concentração da produção pelo agronegócio.

Isso poderia ser diferente se tivéssemos caminhado para um modelo de agricultura mais sustentável, com o incentivo à agroecologia, o fomento e o fortalecimento da agricultura familiar, a realização de uma reforma agrária de verdade e de forma mais ampla e a busca da soberania alimentar entre outras possibilidades.

Aplicação de herbicida em lavoura de grande porte. Foto: pixabay.com

Conforme explica a pesquisadora, os estudos e os dados coletados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde mostram que:

” … de 2007 a 2014 tivemos 1186 casos de morte por intoxicação por agrotóxicos, ou seja, 148 casos por ano, um a cada dois dias e meio.”

“É um dado muito alarmante. Se focarmos nas crianças, numa faixa etária de zero a 14 anos, nesse mesmo período, tivemos 2181 casos de crianças intoxicadas, é muita coisa.”

“O que é mais grave ainda é que dessas 2181 crianças infectadas, 300 crianças entre 10 e 14 anos cometeram tentativa de suicídio. Temos vários estudos no exterior e no Brasil também que mostram a conexão entre tentativa de suicídio e exposição crônica a alguns agrotóxicos.”

“Outro dado chocante que vale a pena mencionar é que também nesse período de 2007 a 2014 mais de 300 bebês de zero a menos de um ano foram intoxicados com agrotóxicos.”

“Quando estamos numa realidade em que bebês se intoxicam, temos a noção da ponta do iceberg que é essa questão. Como isso é possível? Isso tem a ver com a condição de trabalho dos pais, com a pulverização aérea, e a proximidade das casas em relação às áreas de utilização de agrotóxicos.”

Estão de fora os casos não notificados que são inúmeros, podendo chegar a um número de 50 casos para cada um daqueles notificados.

Ainda segundo a Geógrafa da USP, a população rural é a mais afetada por intoxicações por agrotóxicos, mas a populações urbanas também são afetadas, principalmente aquelas de regiões mais próximas de locais onde ocorrem intensas pulverizações.

A contaminação também se dá através da ingestão de alimentos contaminados e mal higienizados, a utilização de agroquímicos nos serviços de jardinagem, o carreamento pelo vento, pela chuva, a infiltração de resíduos para as águas subterrâneas ou o seu transporte para os cursos d´água.

O problema é muito sério. A Geógrafa Larissa Bombardi relata ainda que um estudo sobre contaminação de leite materno com agrotóxicos orientado pelo professor Wanderlei Pignati, da Universidade Federal de Mato Grosso, mostrou que no município de Lucas do Rio Verde, entre as mulheres pesquisadas, uma amostra importante de mães que estavam amamentando apresentou leite contaminado com agrotóxico.

Utilização de “FUMACÊ” para combate de vetores de doenças em grandes cidades. Foto: pixabay.com

Nas grandes cidades, em função dos surtos de zica, dengue, chikugunya e febre amarela, produtos como o malathion, o Pyriproxyfen e ofenitrothion que são cadastrados pela ANVISA como agrotóxicos de uso agrícola, são utilizados no “fumacê” para combater os mosquitos vetores dos agentes etiológicos dessas doenças.

Entretanto essa prática tem se mostrado ineficaz, pois muitas vezes seleciona os insetos mais resistentes, agravando o problema que seria resolvido de forma mais definitiva com a implementação de melhorias no saneamento básico que ainda é muito precário em muitas regiões do nosso país principalmente na periferia das grandes metrópoles.

Hoje em dia modernas tecnologias de pulverização com pesticidas são usadas tanto no campo para combater pragas nas lavouras e controlar ervas daninhas, como nas cidades para combater vetores de doenças os mais diversos.

Veículos leves, caminhões, tratores, aviões e até drones são enormemente utilizados para espalhar veneno em larga escala em todos os lugares. Um risco enorme para a saúde humana e ambiental.

Pulverização de agrotóxico com drone em uma grande lavoura. Foto: pixabay.com

Imensas nuvens de pequenas gotículas de veneno, podem contaminar regiões situadas a milhares de quilômetros de distância dos locais onde foram efetivamente aplicados, levados pelas correntes de vento, pelas águas superficiais e pelas águas dos lençóis subterrâneos poluídos pela infiltração e carreamento dos resíduos tóxicos entre as partículas dos solos.

A maioria dos agrotóxicos apresenta efeitos secundários de bioacumulação nos organismos vivos, sendo repassado através das cadeias alimentares, intensificando os seus efeitos nocivos à vida como um todo.

Podem dessa forma, causar sérias mutações genômicas com efeitos que podem ser devastadores, inclusive levando a intensificação de eventos carcinogênicos, defeitos congênitos e alterações nos gametas que podem ocasionar isolamento reprodutivo e até extinção de espécies.

No bojo do uso de herbicidas se utilizam sementes modificadas geneticamente, resistentes aos produtos utilizados para combater as “ervas daninhas”, o que tem aumentado a utilização destes agrotóxicos principalmente nas culturas de soja, cana, milho, trigo entre outras.

Controlar ou até mesmo banir o uso indiscriminado de agrotóxicos, tem a ver com a implementação de políticas públicas sérias que valorizem a saúde pública e a saúde ambiental, o que demandaria a quebra de certos paradigmas que priorizam mais o capital do que o bem estar social e a preservação dos ecossistemas e dos organismos que os habitam.

A humanidade ao longo do trajeto de sua evolução e conquista do planeta sempre demandará mais e mais recursos para sua subsistência nos mais variados campos de sua vida social. A agricultura e a domesticação de animais é uma de suas invenções e talvez seja a atividade que mais determina o seu sucesso no ambiente terrestre.

Logicamente que ninguém é contra a agricultura, seria uma loucura isso. As atividades agro pastoris são responsáveis pela maior parte do suprimento alimentar para a humanidade e animais domésticos. Sem a agricultura e a pecuária a humanidade entraria em colapso.

Entretanto, é necessário rever urgentemente nossos padrões de produção e consumo, de forma a buscar sempre alternativas mais amigáveis com o meio ambiente e condizentes com a preservação da vida, da biodiversidade e do equilíbrio dos sistemas ecológicos que sustentam a biosfera.

Bibliografia

NAOE, Aline. Agrotóxicos, terra e dinheiro: a discussão que vem antes da prateleira. USP – Universidade de São Paulo. São Paulo. 2016. Publicado em http://www5.usp.br/107848/agrotoxicos-terra-e-dinheiro-a-discussao-que-vem-antes-da-prateleira. Acesso em 03/10/2018.

Agrotóxico mata – Campanha permanente contra os agrotóxicos e pela vida – diversos artigos – http://contraosagrotoxicos.org. Acesso em 03/10/2018.

Jefferson Alvarenga

Jefferson Alvarenga

Jefferson Alvarenga é criador e editor do Site Biota do Futuro. Biólogo, Pós Graduado em Gestão da Saúde Ambiental e em Imunologia e Microbiologia. Apaixonado por educação, pesquisa e por divulgação científica.
Como citar este conteúdo: ALVARENGA, Jefferson. Uso de agrotóxicos no Brasil, pesquisadora da USP revela dados alarmantes. Biota do Futuro [S.I]. Betim, Minas Gerais, 03 de outubro de 2018. Notícias. Disponível em https://www.biotadofuturo.com.br/uso-de-agrotoxicos-no-brasil-pesquisadora-da-usp-revela-dados-alarmantes/. Acesso em: 30/04/2024.

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