Todos os anos durante a primavera milhares de mariposas da espécie Agrotis infusa, eclodem nas planícies quentes no sudeste da Auatrália.
Elas precisam passar por um período conhecido como estivação, um processo semelhante à hibernação. Estivação e hibernação são estratégias de sobrevivência sob condições rigorosas do clima.
A hibernação acontece em climas frios, ao passo que a estivação acontece em climas muito quentes e áridos, um estratagema para enfrentar especificamente o calor e a seca.
O animal reduz seu metabolismo, entrando em um estado de dormência, até que o ambiente apresente condições mais favoráveis.
As mariposas Bogong, como também são conhecidas as A. infusa, ao nascerem, precisam voar uma enorme distância, cerca de 1000 km, até os Alpes australianos, onde passam o verão em cavernas frescas e retornam ao sudeste para se reproduzir durante o outono.
Cerca de 16 mil indivíduos por m² estivam por até 4 meses nas cavernas dos Alpes australianos, antes de fazer a migração de retorno.
É uma única jornada em busca da sobrevivência e perpetuação da espécie. Após o acasalamento e a postura dos ovos as Agrotis infusa morrem, ou seja elas realizam esse ciclo apenas uma única vez na vida.
Uma particularidade, elas fazem essa viagem durante a noite, para um local onde nunca estiveram antes, mantendo um curso preciso em direção a um alvo geográfico distante. Mas, como?
Um estudo liderado pelo Professor Eric Warrant, da Universidade de Lund, Suécia, e publicado na Revista Nature, mostrou que a mariposa da espécie Agrotis infusa, navega grandes distâncias em sua rota migratória usando as estrelas como referencial. Os primeiros invertebrados conhecidos a usar uma “bússola estelar”, comprovadamente pela ciência.
Warrant e sua equipe descobriram que neurônios visuais em diversas regiões do cérebro das A. infusa, também conhecidas como Bogong, respondem a estímulos relacionados a posição dos objetos estelares do céu noturno.
O trabalho comprovou o movimento migratório orientado pelas estrelas através de experimentos realizados em um laboratório localizado na cidade de Adaminaby, Austrália.

Navegar no contexto do deslocamento de populações inteiras de um organismo qualquer na natureza, está relacionado ao uso aspectos de sensoriais acionados por algum estímulo ecológico externo, que orienta o direcionamento.
Em diversos animais o percurso migratório pode ser influenciado pelo campo magnético da Terra. Isso já é do conhecimento da comunidade científica há algum tempo.
Também estímulos visuais e olfativos no âmbito de interações diretas com elementos naturais locais dos diversos habitats em que os organismos vivem, já são conhecidos.
Mas o uso de referenciais como as constelações, a luz da lua e o movimento da própria Via Láctea eram possibilidades que precisavam ser comprovadas, embora evidências sugerissem essa hipótese como um fato possivelmente real.
No experimento realizado pelos pesquisadores suecos, eles usaram dois simuladores, em um os insetos foram expostos ao campo magnético da Terra e em outro, o campo magnético foi anulado e as mariposas ficaram em um sistema que projetava o céu noturno.
Os insetos usaram o céu estrelado e o campo magnético como bússola de navegação, isto é, como estímulo de orientação para o seu deslocamento, de forma independente em cada simulador separadamente.
Na natureza, fora do ambiente controlado do laboratório, os dois sistemas atuam em conjunto como guia para as mariposas. Isoladas de ambos os estímulos elas ficam totalmente desorientadas.
Mais estudos serão necessários para complementar o conhecimento a fim de obter informações sobre quais estruturas específicas do céu noturno e como a atividade dos neurônios das Bogong varia em função do seu comportamento ecológico de migração.
Entretanto, as conclusões da pesquisa do Professor Warrant apontam claramente que as Bogong possui um sistema de navegação incrivelmente robusto e redundante.
Elas utilizam tanto o campo magnético da Terra quanto a orientação estelar, como bússolas. Adicionalmente, pode ser que usem um sistema para calibrar o outro, corrigindo a rota quando necessário, ou mesmo usem um dos estímulos para assumir o controle quando o outro falha ou está ausente, como nos dias em que o céu está nublado por exemplo.
Imagem da capa – Mariposa Bogong – o primeiro invertebrado conhecido pela Ciência a usar as estrelas para navegação – Foto – Ajay Narendra – Universidade Macquarie, Austrália – Adaptação
Imagem do texto – A – Mariposa Bogong macho – B- Rota de migração das mariposas – C – Cerca de 16 mil indivíduos estivam em uma das cavernas doa Alpes australianos – Foto – A. Narenda – Nature – Reprodução – Disponível em: https://www.nature.com/articles/s41586-025-09135-3/figures/1